quinta-feira, 26 de maio de 2016

Retrato da vida escolar


A inocência ainda acompanhava a mente daqueles jovens que frequentavam a Escola Preparatória de Valpaços.
Os anos esses, situavam-se na década de 80, mais precisamente no ano lectivo de 86/87. Uma turma de pré-adolescente, que desconheciam ainda as suas verdadeiras vocações e vontades. Cada um com a sua personalidade em formação, ou já delineada, percorrendo os sulcos de uma vida escolar ainda longe de terminar.
As manhãs começavam com o cumprir do calendário escolar, interrompidas pelo fornecimento do pequeno almoço aos alunos mais carenciados. Um copo de leite gordo com açúcar e uma sandes de manteiga, acomodavam os estômagos, deixando os alunos satisfeitos.
O almoço era também um momento de lazer, aproveitado para a convivência e o estudo, quer nos corredores, quer em qualquer recanto do edifício principal ou junto das salas de aulas, situadas nos pré-fabricados.
As condições eram de facto precárias, mas nem isso, nem o frio do inverso impiedoso, nem o sol escaldante, demoviam a boa disposição e alegria dos alunos.
Em cada momento de intervalo, os rapazes aproveitavam para jogar à bola no recreio, o que trazia por vezes alguns dissabores, com janelas partidas e reprimendas do conselho directivo.
Era também usual brincarem à corrida de carros, improvisando pistas na terra, simulando a formula 1. Enquanto isso as meninas dedicavam-se a outras brincadeiras e também, visto serem mais aplicadas, aos estudos.
Nessa época, não existia ostentação, luxo, vaidade exagerada. A conjugação de roupas, não era, pelo menos no meu caso o mais importante. Acima de tudo a limpeza e a roupa sem buracos, isso sim era o mais importante!
Muitos de nós residíamos nas aldeias que rodeavam a vila, tendo como horizonte os aglomerados das casas agrícolas, os campos e os montes perfumados.
Com algumas excepções de colegas nascidos no estrangeiro, o que de mais grandioso conhecíamos era a vila de Valpaços, onde passávamos toda a semana nas aulas. Os transportes públicos eram escassos, pelo que cedo tínhamos que madrugar.
Fizesse chuva ou sol, frio ou calor, saia de casa de manhã, fazendo a pé 2 quilómetros até à paragem do autocarro e posteriormente, no final do dia o percurso inverso. Admito que não era custoso, pois a adaptação aos rigores climatéricos, pareciam-me à data mais fáceis do que o são hoje, pois considero que com a modernidade e o comodismo, qualquer contrariedade climatérica nos afecta.
Nesse tempo, chegava a casa ou à escola molhado, mas não me queixava. A lareira, era a redenção, o aconchego, o lar o paraíso, a família o éden.
Naturalmente que como rapaz, traquina e irrequieto, fazia algumas tropelias, mas nada de gravoso ou demasiado reprovável. Algumas brigas de rapazes, vidros partidos, materiais danificados por negligência ou mero descuido.
O professor Castro de trabalhos manuais, era para mim à época dos mais disciplinadores, implacável, mas justo. As lições de vida que me deu ainda as guardo na memória, como guardo o cinto feito de fios de cordel, que fiz na sua sala de trabalhos manuais.
Recordo-me de muitos dos colegas que comigo privaram na Escola Preparatória, outros nem tanto e ainda outros que não me recordo mesmo. Muitos encontrei-os, furtivamente, aquando das deslocações à aldeia. Nalguns casos revejo outros durante as férias, já que estão emigrados ou noutras regiões do país. Outros contacto-os com frequência, visto saber onde residem e moram. Felizmente que aqueles dos quais nunca tive notícias, vou sabendo agora deles através das redes sociais.
Foi pois, com prazer que me revi na foto que junto a esta crónica, onde pude matar saudades daqueles anos despreocupados, felizes e que fazem parte do meu percurso de vida!

João Gomes Salvador – 26/05/2016

sábado, 26 de março de 2016

Abraço de um velho tio ainda jovem

O regresso é sempre apreciado por aqueles que na Páscoa rumam aos seus locais de origem, para reviver as memórias encerradas nos corações, que agora afloram novamente com vontade de matar o saudosismo!
Olhar as gentes, principalmente os anciãos, que aguardam ansiosamente pela visita dos familiares e amigos, para os poderem abraçar, acarinhar, beijar!
Se alguns sorriem, outros choram perante a ausência dos filhos, que por motivos justificáveis não podem visitar os progenitores. Temos aqueles que podendo não o fazem, são filhos fantasmas, de coração endurecido, cujo sustento reside na busca desenfreada pelos bens materiais, abandonando aqueles que lhes deram vida e que apesar de tudo ainda os amam.
As lágrimas cristalinas de uns, são coros de trevas noutros, de tristeza visceral, de dor insuportável, que os ceifa à vida já de si frágil.
Que cães são estes, que até os canídeos desprestigiam. Seres abomináveis que desprezam os pais, os tios, os amigos, todos … olham apenas para eles próprios. Aliás olham para nada, são umas bestas quadradas uns filhos de uma mãe pura que foi conspurcada por seres horrendos nos quais se tornaram.
Os lares vivem proliferando de maravilhosos seres, abandonados por muitos, mas amados por outros. Não sendo nossos pais, são nossos conhecidos, nossos irmãos na terra, seres que merecem o nosso carinho, o nosso amor! E tão radioso que é ver aqueles sorrisos enrugados, até babados, desses bebés crescidos, que vivem dependentes daqueles que os tratam.
Como me choca a postura de todos os energúmenos, insensatos, insanos, demoníacos, seres queimados nas inteligências que já povoaram, mas que ali já nada têm, ruminando pelo mundo olhando apenas para a frente, mais burros que os burros, sim pois nada mais são que isso seres se duas patas transformadas em quatro – bestas quadradas, sem valores, inócuos, vazios, vivem de expedientes de cobardia, espoliando os bens de quem deveriam amar!
Mas o mundo de “merda” em que vivemos pode ser mais belo, desde que cada um faça do seu mundo um mundo aprazível, onde todos aqueles que o visitam desejam também habitá-lo, ou de criar também um mundo onde o amor prevalece.
O bem que me soube o abraço daquele velho tio, tão jovem de espírito, que vive sobrevivendo, com a perda da sua amada. Sim eram puros esses sentimentos, mesmo em idades tão avançadas, viveram harmoniosamente, com as suas manias, até que a morte ceifou aquela que ele amava.
Admiro-o, sou tão pequeno … como gostaria de ter esta força. Mesmo agora, não a tenho. Os tempos idos talvez fossem mais puros, mais revigorantes. 
Agora o ar é mais rarefeito, mais pesado, mais irrespirável …
Dirão que foi só um abraço de um sobrinho a um tio. Não! Estão enganados, é mais que isso é um amor familiar, algo que aprendo a apreciar desde catraio, desde o tempo em que comecei a ter consciência do que me rodeava e de quão valiosos são esses sentimentos para a formação humana.
Experimentem abraçar os vossos pais, olhar nos olhos, dizer o que sentem, acarinhar as suas rugas, serem agora os pais de quem foi vosso pai … é o mínimo que vos é exigível. Tratem deles, tratem de vós, das vossas almas, da vossa própria salvação. Não perante Deus, mas principalmente perante vós próprios.


João Salvador – 26/03/2016