quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Memórias roubadas

A vida esconde em si muitos prazeres e alegrias. O viver é já de si uma graça divina ou do acaso que nos permite contemplar o nosso próprio ser.

O respirar, o cheirar, o sentir a brisa do vento fresco a bater na face, os banhos de sol … tudo isso desse ser absorvido, pois cada momento é mágico e único!
(Na bica de Sanfins com 5/6 anos)

Assim o são as memórias, algumas mais doces, outras mais amargas. Memórias algumas que não são nossas e que não conhecemos, que rezam nos livros de história ou na memória dos anciãos.

O nascimento é um momento de júbilo e de alegria. Os pormenores do nascimento de uma criança são sempre eloquentes e apreciáveis. 

Faz 41 anos que nasceu uma criança numa aldeia do interior, cuja semente germinou de um amor separado pela morte, mas que perdura na existência deste ser que narra estas palavras.

Estava contemplando a bica, onde jorra a água límpida que sacia a sede dos residentes e que outrora serviu de vigia e consolo aos namoros que ali brotaram. 

Estando imbuído nas minhas memórias, deambulando pelos olivais, pelos silvados, pelos pinhais e pelos lugares das lembranças ali vividas, quando surge a Dona Maria, senhora emigrada em França há 42 anos.

O seu rosto sorridente, não esconde as rugas que se passeiam orgulhosamente no seu rosto, sulcadas pela vida e pelos caminhos que trilhou. Vive hoje martirizada e presa a um fardo a que a vida a votou, mas que carrega com tenacidade e com uma coragem desmedida!

Entabulei diálogo, recordando memórias dos tempos em que visitava a aldeia e quando eu ainda ali habitava, recordando-os com deleite!

Notei uma certa mágoa no seu rosto, desmistificada pela mudança nas personalidades dos mais próximos e até dos vizinhos, espelho dos tempos conturbados que se avizinham em que os valores humanos ferem e cortam corações sedentos de carinho …

Recordou-me através das suas palavras aquele dia soalheiro de Agosto de 1973 (do qual não me lembro naturalmente) quando me viu nascer. 

Pormenorizou a azáfama da parteira que gritava ordens em todas as direcções, aguardando pelo capricho da minha saída para a luz, abandonando o consolo do ventre materno.

Os suores, as dores suportadas por aquela guerreira que deu vida a este ser, parindo em condições precárias mais um filho que deve a sua existência a uma semente de última hora. Nas suas palavras vi o nascimento de mim mesmo, um pequeno ser enrugado, ensanguentado mas uma dádiva divina, uma vida! 
(Imagem retirada da net)

Nesse mesmo dia apagou-se a luz da alma da D. Augusta e acendeu-se outra que vive hoje agradecendo aquela mãe a vida que trouxe ao mundo!

Sem ela não teria sentido o gosto da existência, não conheceria os aromas, os amores, os desamores, a alegria, a tristeza, os sons, a beleza das palavras, nem estaria certamente sentado na varanda olhando o horizonte recortado pelos montes escrevendo estas palavras.

Todos nascemos e como tal o espírito de partilha deve prevalecer. O dom da vida é em si algo maravilhoso, grandioso e divino, pois além das almas que germinaram na nossa existência, somos seres pensantes que amam e choram …

João Salvador – 20/08/2014

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