domingo, 6 de julho de 2014

Pontos de encontro II - Valpaços

I-Introdução

Na década de 80/90, caminhava diariamente até às escadavadas, independentementemente das condições meteorológicas, percorrendo os cerca de dois quilómetros que separavam o berço do meu nascimento até à paragem do autocarro situado na Estrada Nacional 206, estrada que liga o município a Carrazedo de Montenegro.
Rumava sempre acompanhado de outros colegas que comigo frequentavam a Escola, sempre feliz pelo facto de apesar de tudo, a vida ter permitido a este filho da “Clara Moleira” continuar os estudos e ter um futuro mais promissor.
Infelizmente nem todos os seus filhos tiveram essa oportunidade, sendo obrigados desde muito novos a trabalhar, auxiliando no sustento da família, seguindo mais tarde para destinos além-fronteiras, onde fizeram as suas vidas.
Malogradamente o destino ceifou-lhe um filho prematuramente quando este regressava do Cancelo no ciclomotor de marca Famel, modelo XF 17 de 50 CC, quando teve um encontro com a morte que o levou prematuramente para o além!
Dessa dor nunca se conseguiu libertar e guardou com ela até à sua própria morte uma dor tão intensa que a fazia curvar-se sob o jugo do peso do destino! A luz do seu olhar já de si sofrido pela perca prematura do homem com quem casou, ofuscou-se por completo, vestindo-a de negro durante toda a sua vida, perdendo o sorriso que apenas brevemente se lhe viu ocasionalmente com o nascimento dos netos que a visitavam anualmente.
Teve depois rasgos e alguns picos de felicidades com o nascimento da neta que foi também sua filha, mas que por circunstâncias da vida lhe foi arreigada dos braços, mercê dos graves problemas de saúde de que foi padecendo e que a levaram ao último descanso.

II-Tempos de estudante

Muito mudou desde essa época na então Vila, agora cidade de Valpaços, localidade onde passei grande parte do meu início de vida. Não tenho a percepção de quantos estudantes deambulavam por ali diariamente no período escolar, repartidos entre a Escola Preparatória e a Escola Secundária. 
(Escola Secundária de Valpaços - Foto Albérico Moura)

(Escola Preparatória - Foto Albérico Moura)

No entanto à data polvilhavam os jardins, os cafés, as escolas, muitos jovens estudantes apaixonados pela vida, absorvidos pelas suas amizades, paixões, amores e desamores da juventude, tudo próprio de adolescentes sonhadores que querem conquistar um lugar no mundo adulto e afirmar-se um dia no mercado de trabalho. À data queriam afirmar-se mais nas suas conquitas e nos seus amores, certamente, muitas vezes esquecendo a importância dos estudos, mas o sangue quente e as paixões tinham o seu peso e nada fácil de controlar.
Vários estabelecimentos como é o caso do “MAI TAI” que era explorado pelo meu amigo Diogo, cujo paradeiro desconheço (encontrei-o em Lisboa à anos e posteriormente em Valpaços); o “White Worse”; a discoteca “Guedes” e outros já não existem, mas foram substituídos agora por outros, que naturalmente não possuem no seu espaço físico cantos que preencham as minhas memórias, já que ali não as havia semeado. Isto ao contrário dos outros que referi, onde passei muitas horas da minha vida de estudante, principalmente quando frequentava o décimo-segundo ano de escolaridade, visto que tinha apenas três disciplinas (Filosofia; Geografia e História), ou seja vida de lorde!
(Discoteca Guedes - Foto Albérico Moura)

Apesar de me considerar um jovem tímido e absolutamente normal, igual a tantos outros da minha idade, tive as minhas paixões e os meus namoros, sofri as minhas desilusões mas provei também o gosto da felicidade e da partilha de sentimentos. Não faria qualquer sentido fazer alusão a namoros do passado, seria deselegante, mas desses tenho pessoas muito amigas e nalguns casos, as quais já revi, estando em todos os casos bem de vida o que me deixa bastante feliz. Nesse período, como noutros, as curvas sinuosas dos sentimentos pregam-nos partidas e existem atitudes menos próprias; palavras ditas; gestos; posturas ou outras atitudes que agora friamente analisamos e sabemos não terem sido as correctas. Mas ora, não somos todos seres imperfeitos que amamos, sorrimos, choramos e erramos? Pois assim o foi comigo. Os sentimentos são mutáveis como o foram á data e não foi agradável magoar uma mulher, principalmente uma adolescente como o era eu sedenta de sonhos, uma mulher que buscava o seu príncipe perfeito que a faria feliz por uma vida. Em vez disso após cerca de um ano de namoro viu alguém a descartá-la, tentando explicar-te atabalhoadamente que os sentimentos mudam. Talvez a inexperiência de acalmar um coração rejeitado e ferido tenha feito com que o amor se tenha tornado em amargura que a levaram a deixar de me dirigir a palavra. Como disse são cenas pitorescas de dois adolescentes imaturos que tudo queriam da vida e nada dela sabiam. O que se sabe da vida verdadeiramente aos 16/17 anos? 
(Escola Secundária de Valpaços - com colegas da turma)

(Vasco, Paulo Jorge, João e chico - Na escola)

É no entanto destas pequenas tropelias, troca de experiências e vivência que se constrói uma vida e o futuro e foi precisamente nesses tempos que conheci a namorada/mulher com quem partilho a vida …


III-Redes sociais

A proliferação das redes sociais, como todos sabemos podem ter efeitos adversos e maléficos na juventude, transformando relações pessoais em relações virtuais, onde através do teclado tudo se diz sem complexos, ou onde a falta de contacto pessoal não permite olhar olhos nos olhos quem pronuncia as palavras, perdendo-se o timbre da voz ou o modo como é pronunciada, escondendo ainda o reflexo ocular dos interlocutores, apesar de existirem meios virtuais que permitem a visualização, mas nem assim deixa de tratar-se de meios artificiais que conspurcam e criam uma barreira entre as pessoas.
Não obstante, possuem essas mesmas redes sociais extraordinárias vantagens a quem as usa, encurtando distâncias; permitindo reencontros e interacção, desde que se passe do virtual para o pessoal. Tive já oportunidade de reencontrar uma panóplia de amigos, cujas amizades julgava engolidas pelas névoas do tempo, agora resgatadas, amigos com quem já não privava desde a minha juventude a alguns até desde a minha infância, com os quais tenho agora a possibilidade de contactar apenas à distância de um clique. Graças a estes meios participei já num encontro de amigos de uma das turmas a que pertenci da Escola Secundária; desloquei-me a vários locais onde revi amigos e colegas agora com a vida formada e com profissões tão diferentes como Polícias; Militares; Operários da construção Civil; Assistentes Sociais; Engenheiros; Advogados; Professores, todos eles na sua essência imutáveis na sua personalidade interior, apenas, como eu conquistados pelo tempo, cujo cinzel esculpiu rugas ainda não muito percetíveis, esculpiu barrigas; eliminou cabelo fazendo nascer em seu lugar autênticas clareiras, mas brindou-nos com filhos, esposas, novos amigos, novas vidas … umas mais felizes que outras, mas no fundo o importante é o bem-estar comum. Quem assim não pensa é hipócrita e pensa apenas no seu umbigo …


IV-Blues Bar
(Vista exterior - Foto Albérico Moura)

(Foto Albérico Moura)

(Interior do estabelecimento - foto da página do facebook)

Estive nestes últimos dias de Junho, como o havia dito no município, tendo aproveitado para conhecer alguns bares que me foram apresentados precisamente pelas redes sociais, um dos quais me havia sido indicado pela Mize, neste caso o Blues Bar. Encontrei nele um ambiente agradável e até familiar, estando o mesmo dotado de dois LCD um de maiores dimensões que nesta altura para deleite dos muitos aficionados permite a visualização dos jogos de futebol na companhia dos amigos e de umas bebidas frescas. A decoração bastante aprazível foi de um gosto notável pelo que nada fica a dever a muitos bares que se encontram nas grandes cidades. Desde logo à entrada do lado esquerdo encontra-se uma mesa dotada de um sofá, um recanto mais resguardado que permite conversas mais reservadas e uma maior privacidade para quem a busca. O balão estende-se até uma divisória que dá acesso às casas de banho, e a dependências exclusivas para os trabalhadores. As estantes adornadas pelas bebidas, são bafejadas por muita luz artificial, e os bancos altos, encostados ao balcão permitem uma maior interação entre os clientes e os empregados, colocando-os numa maior proximidade complementada pela simpatia de quem ali trabalha.
O espaço está dividido através de uma arcada em madeira e de um corrimão também desse material, acedendo-se ao local onde se encontravam várias mesas e ainda duas máquinas de jogos, uma das quais de setas. Achei curioso que uma dessas máquinas possui muitos jogos tipo “ARCADE” que eram muito apreciados na década de 80/90 e foi até motivo de conversa entre mim e o João Alves.
Reviveram-se aqueles momentos em que a vontade de terminar o jogo era tanta que se gastavam as parcas moedas que tínhamos depositado nos bolsos e que deveriam ter outro destino. Uma boa aposta da gerência, pois pelo que vi permite aceder a jogos diferentes e aqueles saudosistas permite gastar umas moedas e recordar aqueles pequenos prazeres.
O espaço apesar de ser pequeno está muito bem aproveitado, devidamente sinalizado cumprindo as normas gerais. Além do pormenor dos candeeiros na parede que iluminam uma imagem do Big-Ben de Londres caprichosamente inclinado o que o faz sobressair e o realça, assim como as restantes figuras bem escolhidas e apropriadas à decoração, suspeitando que tenha aqui uma mão feminina.
A Música é também ela agradável, colocada num volume audível mas que permite conversar. Algo que apreciei são as temáticas e as festas periódicas, eventos divulgados localmente e através da internet.
Fui-me perdendo nas horas, permanecendo-me naquele espaço, ora conversando ora vendo vários jogos do mundial, isto nas várias deslocação que ali fiz durante as curtas férias.


V-Caminho errante

Tive a oportunidade de após 16 anos, conversar com um amigo da minha infância, cujo nome por respeito não cito, que escolheu uma vida errante e problemática, mercê à data de influências menos próprias de alguém que em nada ajudava quem o acompanhava, antes pelo contrário, destruiu muita juventude. Mas também me permitiu escolher um caminho certo, aprendendo com os erros deles.
Ao rever esse amigo cuja vida também castigou, retirando o sopro de vida do pai que era em bom rigor o único que lhe incutia disciplina, senti uma mágoa muito forte, pois ninguém deseja o sofrimento alheio – pelo menos não o deveriam. Esse amigo deambulou durante anos na companhia de outros, por um inferno que o conduziu ao mundo das drogas e que apenas lhe trouxe dissabores, rejeição, destruição e o conduziram à prisão. A sua juventude foi consumida pela obsessão da busca pela próxima dose, da satisfação de um vício que apenas conseguia satisfazer através de expedientes. Considero que este e outros amigos pesaram na escolha da minha profissão, tornando-me mais maduro, ponderado e acima de tudo muito mais humano e sensível a pessoas que como ele são filhos e amigos de alguém e que apesar de tudo devem ser ajudados por uma sociedade que muitas vezes os rejeita e não lhes dá uma oportunidade de endireitarem a vida.
Foi o caso deste meu amigo que é um exemplo de más escolhas que viu em pessoas de personalidades doentias um líder de alcateia que os conduziu a uma floresta de perdição, onde alguns sucumbiram à morte, provocada pela busca incessante da próxima dose de droga.
Um trajecto de vida cheio de sobressaltos, mas que me serve a mim; a ele e a todos nós como páginas de uma vida errante, escritas em sofrimento e acima de tudo de aprendizagem.
Aquela história de vida gravada num corpo maltratado pelos anos de consumos desenfreados; de loucura e de vícios maléficos são para mim apenas mais uma das muitas páginas já conhecidas de um capítulo repetido que muitas vezes vejo na minha vida diária e que nunca deixa de me preocupar, pois por mais que veja esses seres com as almas esfarrapadas e perdidos nas suas próprias cogitações, nunca me irei habituar a tal.
A aprendizagem vertida em tais capítulos de muitas vidas dilaceradas, não chegam infelizmente para muitos dos jovens aprenderem com essas letras escritas com sentimentos de mágoa; dor e sangue, o que é preocupante! Deveria ser um ensinamento aprendido através dessas histórias de arrependimento, cujos autores principais choraram lágrimas não teatrais mas reais e sentidas, caídas abruptas de rostos feridos, sugados por vis demónios que lhes perseguem a mente conturbada, mas cientes das más escolhas que lhes selaram o destino do qual dificilmente sem ajuda conseguem fugir.
No meu papel de ser humano, arroguei-me no dever de pronunciar palavras reconfortantes, de incentivo à reconstrução da sua vida, ao apelo pela dignidade; à auto-estima e ao esforço para combater o hospedeiro que lhe dilacerou a existência!
Sei por experiência que as palavras só por si não são suficientes, mas espero que tenham pelo menos algum efeito na sua consciência e o possam ajudar de alguma forma.
Pelo menos serviu para purgar um pouco a minha própria alma, na busca incessante pelo bem-comum.
Seguia já tardia a hora, mas o local aprazível haviam-me retido nas suas doces malhas onde revi memórias e velhas amizades…


João Salvador – 05/07/2014 

Outras fotos de Valpaços da autoria de Albérico Moura:


(Câmara Municipal de Valpaços)

(Jardim Público)





Outras fotos de Valpaços da autoria de Mize Lopes (Blues Bar):


Localização do Blues Bar - Valpaços


  









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