domingo, 25 de maio de 2014

As ovelhas e os lobos



Era uma vez um rebanho de obedientes ovelhas, que caminhavam barafustando contra os lobos dominantes, levantando a voz incansavelmente até à chegada ao comedouro.
Ali alimentadas de promessas e depois de refasteladas voltavam à transumância ruminante de uma existência ignorante de quem não deu o grito de BASTA!

Continuam as ovelhas a sofrer abnegadamente, alimentando os lobos através do seu suor, abdicando da sua dignidade.

Vivem num sistema de ditadura política e económica onde não são senhores do seu nariz, presos a uma liberdade aparente, onde podem manifestar-se, mas apenas quando convém aos lobos, mas no fundo não podem viver!

Que sistema é este de alternância onde todos os lobos de cores diferentes se alimentam das entranhas das ovelhas sem se preocuparem em descobrir um pasto verde, onde estas possam viver melhor e possam procriar.

Que lobos são estes que não deixam as ovelhas ascender à política interventiva através de movimentos de cidadãos elegíveis.

Quando acabam estes energúmenos com as carneiradas da disciplina de voto, onde todos obedecem a interesses instalados e que em bom rigor não respeitam nem defendem o cidadão?

Para quando acabar com os jogos de interesse entre a política e os negócios ilícitos que apenas alimentam o grande capital, semeando pobreza e fome no seio do rebanho?

Para quando a prisão de todos estes Filhos de uma mãe pura que foi conspurcada com os actos corrosivos e corruptos de uns filhos de uma nação por eles vendida?

Para quando um herói que corte as goelas aos lobos mascarados de ovelhas nos dias de eleição?

Assim é um povo que não se governa nem se deixa governar.


Arménio Santero – 25/05/2014

Máquina analógica - Momento da vida




O flash da máquina analógica recolhia a imagem de uma criança muito admirada com um aparelho que não conhecia e que captava a essência de um momento único que grava nos seus negativos um instantâneo que não se repete.

Um momento que a memória apenas aflora, não sorvendo as cores do que os rodeia. O panorama de uma cozinha rural, cubículo de gente pobre, humilhe mas educada, simpática e feliz à sua maneira.

Uma imagem recolhida de uma criança sedenta de aventura, pronta para a descoberta de horizontes que até ali lhe eram desconhecidos, vivendo numa aldeia, berço da sua existência, limitado pela falta de uma vida mais folgada que lhe permitisse a descoberta de um novo acordar; um novo mundo de sonho; uma quimera de descobertas e realizações.

Retratada com um sorrido misterioso, surge uma mãe coragem que a vida já tragou, olhando o vazio de uma vida austera, que a marcou, tornando-a uma lutadora incansável. Uma leoa feroz que criou a sua prol, sofrendo amargos desaires vincados pela vida, apunhalada por sentimentos antagónicos entre o dever e o poder, entre a pobreza e a nobreza … ainda assim sorriu enquanto labutava febrilmente na sua cozinha de pobre, mas limpa e enobrecida pela comida que preparava para os seus filhos.

Por aquelas portas de madeira, pintadas de azul pela sua própria mão calejada, apenas entrava uma mãe dotada de uma incansável bravura e coragem, onde as rugas vincadas pelo trabalho árduo do tempo, não a impediam de dedicar-se a feitura da ceia, descascando as batatas que colocava nos potes que se encontravam ao lume, juntando pedaços de carne de porco, até fervilhar e estar pronto a servir à mesa.

Nessa cozinha retratada, a mesa de um amarelo intenso e bruxuleante, era o lume que acariciava as caras dos filhos, sentados no escano da vida, deliciando-se com a comida preparada e bem regada com azeite colhido com suor e muita labuta nos olivais da família. Enquanto os filhos comiam a progenitora meditava em pensamentos imperscrutáveis e em silêncios mudos que não eram entendíveis em crianças de tenra idade, cuja vida era para eles apenas brincadeira, beleza e felicidade.

Preocupações que não sentiam. Apenas aquela alma calejada pela dor e pelo sofrimento sabia o que lhe dilacerava o coração, já de si sofrido pela perda de um filho e do marido!
Em boa verdade o flash da máquina analógica captou o conteúdo, mas não captou, como o não capta qualquer artefacto, a essência de cada ser; o que sente; o que é … isso meus amigos não é retratável …




João Salvador – 25/05/2014