domingo, 29 de setembro de 2013

As Vindimas e a amizade

Mais uma vez este ano tive o prazer de ajudar a fazer a vindima de um grande amigo que tem várias vinhas na região demarcada do Douro, as quais cultiva anualmente, expectante por uma boa produção.

As vinhas situam-se numa região com relevo acentuado e agreste, mas com paisagens muito belas, ornadas pelas vinhas talhadas pela mão do homem (hoje ajudado pelas máquinas - tractores e alfaias agrícolas), de onde é colhido o tão desejado vinho do Douro, um licor apreciado mundialmente. 
As vinhas vaidosas surgem à vista vestidas com as suas vestes de uvas brancas e tintas, sulcando os montes do conselho de Carrazeda de Ansiães, serpenteando-os dando-lhes vida, embelezando tudo o que a vista alcança, enriquecendo uma região dominada pelo esquecimento.

Começou o dia de madrugada, dia sombrio e algo chuvoso mas nem assim desmotivante para o grupo de amigos que se juntou para formar a "camarada" de vindimadores. 

A tarefa não seria iniciada sem antes tomarmos um belo de um café no "púcaro" e de comer uma bola de carne caseira feita pela "patroa" e grande amiga, com umas mãos extraordinárias para a cozinha e para as lides da terra. Pessoa formada que adoptou a sua terra natal para passar algum do seu tempo em contacto com a terra e com os ares puros do norte. 

Após sossegarmos o estômago, em amena cavaqueira deslocamos-mos para a vinha no tractor e no jipe, onde de seguida iniciamos as tarefas, cortando as uvas cujas castas são indicadas pela casa do Douro para aquela região. 
As vinhas estavam bastante bem tratadas e ordenadas permitindo um trabalho aligeirado, apesar de ser necessário curvar as costas, o que após um dia de trabalho se ressentem do esforço. 

Todas as vinhas que nesse dia foram vindimadas pelo grupo de amigos, estavam bem "compostas", produzindo ligeiramente mais que no ano transacto, apesar de a maturação ter estado ligeiramente mais atrasada neste ano. 

De facto, invejo a persistência e o amor do meu amigo que se dedica de corpo e alma à terra, apesar de o fazer apenas quando a vida profissional o permite, nomeadamente férias e fins-de-semana. O gosto que emanam dos seus olhos e as palavras que fluem da sua boca, fazem transparecer todo o amor que o ligam aquela terra e que contagiam quem o rodeia. 

Mas deixando de divagar e voltando a vindima, após o corte e os baldes cheios estes eram despejados nos "balseiros" que depois eram carregados no atrelado do tractor e transportados para o lagar, onde a uva era separada do "mosto" e despejado directamente para o lagar através de um tubo que o ligava à mastragadora. 

Durante a vindima ainda fomos contemplados com uma chuva insistente que lavou os nossos corpos, encharcando-os, mas nem assim desanimou tão ávidos trabalhadores que continuaram animadamente a trabalhar e a conversar, até conclusão das tarefas, abdicando da hora normal de almoço, para terminar rapidamente a vindima, evitando assim novo presente do São Pedro que nesse dia estava deliciado com as gotas que nos banhavam o rosto, premiando-nos com um céu carregado de nuvens escuras e prontas a deixar descarregar todas as mágoas do mundo sobre as nossas cabeças. 
Concluída a vindima e após as uvas estarem desfeitas e depositadas no lagar era tempo de almoçar uma bela feijoada com a qual todos nos refastelamos e à qual nada faltava. 

Assim vale a pena trabalhar, pois o trabalho torna-se menos custoso, cultivando-se a amizade e valorizando o esforço de todos aqueles que diariamente labutam incansavelmente nas terras de seus pais, que em muitos casos a terra já tragou! 

Valorizam-se as pessoas, desfruta-se da natureza, do ar puro que nos impregna os pulmões, mas acima de tudo alimenta-nos a alma e a mente, a qual se sente tranquilizada com toda aquela paz e saciada com o convívio e os sorrisos dos amigos!

Todos sem excepção o fizeram por prazer e ao mesmo tempo para ajudar um amigo que como muitos que se dedicam ao trabalho campesino, sentem enormes dificuldades no recrutamento de mão-de-obra, o que não se entende com a actual crise que grassa no nosso país e por esse mundo fora!
Pois na parte que me toca e a todos os que comigo privaram nesse dia, foi um dia diferente, agradável e feliz, ainda que cansativo, nada a que não estivesse habituado na minha adolescência. 


João Salvador – 29/09/2013

Fotos:

Tarefa quase concluída – momento para descomprimir

Em plena vindima 

As tesouras e o balde não podem faltar 

Após a separação do mosto resta lavar a mastragadora


Definições/regionalismos:
Mosto da Uva - O esmagamento da uva produz uma mistura de suco, cascas e bagas que será chamado de mosto (http://pt.wikipedia.org/wiki/Vinho)
 
Púcaro - pequeno vaso com asa
 
Mastragadora – Máquina usada para desfazer a uva, separar o mosto e encaminhar o sumo da uva para o lagar através de um tubo.
 
Camarada – Grupo de trabalhadores
 
Balseiro – Recipiente plástico usado para acondicionar as uvas



quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Desabafo sobre o desrespeito às gentes transmontanas - I Love it



Infelizmente a busca de audiências a qualquer preço, esbarra muitas vezes na maledicência e na destruição da identidade de uma região tão ilustre como o Reino Maravilhoso, paraíso idílico narrado pelo nosso ilustríssimo transmontano Adolfo Correia da Rocha (Miguel Torga) e que eu tanto amo e sobre o qual também escrevo. 


A TVI é uma estação que tem vindo a perder qualidade, sendo que neste caso em apreço denegriu a imagem dos transmontanos, escamoteando das suas gentes e da sua cultura. 

É sabido que muitos cargos dirigentes e não só em Portugal são detidos por ilustres transmontanos. 

Trata-se de um povo simples e humilde é certo, mas também solidário, fraterno, com uma aculturação reconhecida, crítico, conhecedor das realidades, a quem todos os portugueses devem respeitar, pela longa história que ajudou a alicerçar e a fundar a nação lusa. 

Graças à luta de transmontanos e outros ilustres portugueses que derramaram o sangue nos prados verdes das terras que agora alimentam as gentes que vivem nas cidades e que se lambuzam de má língua, que estes podem expressar-se livremente e dizer estas "asneiradas". 

Mas lembrem-se a liberdade de expressão termina quando esbarra com a liberdade de outros, seja através de actos ou palavras.

Respeitem os transmontanos, pois são das pessoas mais educadas que existem neste país. E não confundam pouca formação literária com "parolice" ou falta de educação. 

Como já aqui se disse Trás-os-montes está hoje dotada de uma boa rede de ensino, boas vias de comunicação e para quem não sabe ... acesso à Internet.

Por isso à TVI que tem agora este formato de novela denominado "I Love It" que veio substituir os Morangos com Açúcar (outra série que apenas contribui para a destruição dos valores da família e da verdadeira e pura amizade), digo: Tenham RESPEITO!

Quanto a mim a TVI passará a ser um canal secundário, como já o vinha sendo mercê da fraca qualidade de conteúdos com o qual nos presenteia diariamente. 
Como se costuma dizer, "quem não se sente não é filho de boa gente".
Bom dia a todos os transmontanos e desculpem o desabafo!

João Salvador - 12/09/2013

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Reino Maravilhoso versus Reino queimado


Amigo Torga, hoje choro teu reino …

Entrei num reino outrora de sonho, hoje terra de pesadelo, de onde fogem assustadas suas gentes.

Em tempos era um reino coberto por mantos verdes, polvilhado de árvores, banhado por flores, exalando odores agradáveis onde viviam harmoniosamente os transmontanos, venerando a mãe terra.

Agora questiono-me! Entrando por terras do Marão, olhando as serras e montes, choro amargurado a morte das florestas compostas por carvalhos; pinheiros, tojos e giestas, plantas e árvores que vestiam não maravilhosa serra. 

Meus olhos, toldam-se com a visão da terra queimada, despida agora da sua magnificência, pela incúria da mão criminosa daqueles que desprezam teu reino. Esses metacarpos são aqueles que matam tudo em que ti habita, sugam a tua beleza …

Verto lágrimas de tristeza amargurada, vendo o fenecimento do meu berço e de tantos outros, terra palco de histórias ancestrais de nossos antepassados, de batalhas e de sangue! Histórias agora abandonadas aos caprichos da ganância dos homens. Terra votada à indiferença dos filhos que tão sublimemente amamentou e amou. Filhos que agora a deixaram de amar!

Os cenários naturais, as suas colinas, as suas escarpas, os seus montes e vales, morrem lentamente. Os jovens buscam outros reinos mais ricos, ainda que sem imponência ou história. Os anciãos, pessoas cujas rugas cavadas nas suas faces pelos rigores da vida, jazem agora perdidos nas memórias de outros tempos, refugiados na sua sabedoria, mas assustados com um destino que temem cruel, perante dantescos cenários de morte e destruição.

Porque razão não devo chorar amigo Torga se teu reino que é também o meu está a ser destruído?

Não saberei expressar o que sinto tão sabiamente como tu, faço-o com palavras emocionadas de um filho da terra, visto que temo a escuridão que cobre agora um reino outrora verde e cheio de vida. Minha alma cobre-se angustiada pela sobra da morte a que estão votadas nossas belezas naturais!

Sinto-me impotente, pelo que verto nestas folhas sem vida, desprovidas de sentimento, minhas lágrimas sentidas que transformo em mágoa.

Impotente é como se sente um animal enjaulado, perante um inferno tão vasto e incontrolável, pois assim me sinto eu!

Vai definhando teu reino. Com ele perecem as almas errantes dos antepassados, que labutaram tão vasto território. Vagueiam agora perdidos pelas brumas de tempos idos. Evocam-se suas memórias buscando-se salvação e força para a ressurreição do reino maravilhoso!

Lembras-te Torga das tuas memórias de rapaz (memórias para mim desconhecidas), quando corrias pelas fragas, esfolando os joelhos, sorvendo a dor com prazer? 

Lembras-te da simplicidade das nossas gentes, dos sorrisos com que se contemplavam o nascer do sol, da luz que banhava as faces suadas pelo trabalho? 

Lembras-te dos seres que enchiam de vida, montes e vales, das flores que vestiam as serras na primavera e do seu cheiro que apaziguava nossas almas? 

Pois meu amigo (permite que te trate assim ò poeta transmontano) esses quadros naturais, bucólicos, campesinos, foram agora pincelados a negro, resistindo à força da mãe natureza que heroicamente luta contra as agressões dos homens. Luta agora fragilizada, pela falta do amor-dos-homens na terra que os viu parir! 

Homem … ser por vezes irracional, asno, destrói a beleza do reino verde, coberto agora pelas trevas, cujas marcas o tempo demorará a sarar! Pobre natureza, que luta gloriosamente contra os gladiadores imorais que se munem de isqueiros para a agredir. Com ela fenecem almas e vidas de heróis anónimos que lutam incansavelmente, procurando anemizar-lhe as feridas. 

Tombaram vários heróis, que deram suas vidas e seu sangue para conter a ira das labaredas que lambem diabolicamente teus montes.

Choro envergonhado a irracionalidade de alguns humanos …

O cheiro a queimado invade as narinas, conspurca o olfacto, poluiu o ar.

A visão turva-se perante o sentimento de perda por cada hectar queimado e por cada vida perdida.

Teu reino jaz agora parcialmente morto em cinza, queimado pelos fogos e pelas gentes que não o cuidam!

Somamos o desmazelo e a irresponsabilidade dos des (governantes) que votaram à desertificação e ao abandono o teu prodigioso berço. 

Garotos mimados que brincam ao faz de conta, enquanto se adensam as labaredas que se aproximam agora da destruição alargada das terras para lá do Marão.

Não me peças para não chorar amigo Torga, visses tu de teu túmulo tão grotesco cenário e também tu chorarias as mágoas do teu reino queimado, despedaçado pelas feridas profundas provocadas pelo fogo.

Deixa-me então chorar teu reino que idolatro! 

Sim! Deixa-me chorar teu reino que é também o meu!



João Salvador – 2/09/2013