sábado, 21 de dezembro de 2013

Episódios da meninice I - Bicicleta “nova”

Haviam terminado as aulas na aldeia, abrindo-se um radioso sorriso nas faces das crianças que polvilhavam agora o recreio escolar.

As brincadeiras intensificaram-se e trocavam-se ideias do que seriam os planos para os próximos dias que se avizinhavam, combinando-se algumas traquinices próprias das crianças de tenra idade.

Avizinhava-se o Natal as famílias iniciavam já no interior os preparativos para as festividades natalícias, adiantando as lides agrícolas, nas quais as crianças também participavam.

Nessa altura a apanha da azeitona era e ainda é uma das tarefas mais prementes para os habitantes locais, que buscavam o sustento nas férteis terras com que foram bafejados pelo ser iluminado.

A azáfama das matanças do porco, o fumeiro, a busca de lenha para a fogueira de Natal, tudo se resumia às festividades natalícias vividas não só em família mas também em comunidade, visto que o elo de ligação entre os residentes sempre foi muito forte e felizmente ainda se verifica em muitas aldeias do interior onde todos se conhecem, apesar de já contaminadas pelo consumismo desenfreado e pela perda de valores humanos, mas como disse onde ainda resistem as palavras “solidariedade” e “amor pelo próximo”.
Não obstante essa azáfama, as crianças tinham sempre tempo para brincar e tudo servia como pretexto para isso. 

Desde o gelo que se formava na estrada que servia para os mais afoitos e corajosos fazerem dela uma pista de gelo, deslizando e caindo, mas sempre com gargalhadas à mistura, apesar das mazelas contraídas; desde os recantos da aldeia que serviam para o jogo das escondidas, até às bicicletas sem pneus que serviam para brincar com as rodas empurradas pelas ganchetas, julgando-se as crianças grandes velocistas, imaginando-se em um qualquer circuito de velocidade, o importante era afinal a diversão divagando a sua mente por todo um mundo imaginário, doce e belo onde apenas existia tudo o que era bom.


Recordo-me de um desses episódios da minha meninice, onde por um mero acaso encontrei uma bicicleta nas escadavadas, numa lixeira junto á Estrada Nacional a qual não estava munida de travões nem de pneus, estando os aros à vista e alguns raios da roda frontal partidos.


(Ponte das Escadavadas)

O próprio guiador estava torto, nada que assusta-se uma criança sedenta de aventura e adrenalina. Logo peguei nela, imaginando ter na minha posse uma bicicleta nova oferecida no Natal por um familiar mais abastado que ma havia oferecido por ser uma criança bem comportada, o que nem sempre era o caso.

Visto que não tinha travões, nem pedais, além de estar desprovida de pneus o ideal seria aproveitar as descidas (pensava eu na altura) e ganhar velocidade até atingir um patamar plano, sem necessitar de grande aparato para parar a bicicleta, bastando para isso a sola das sapatilhas para fazer abrandar o aro das rodas.

Incentivado pelos amigos da aldeia, logo montei aquela beleza que rugia freneticamente perante a minha coragem e logo iniciei a aventura, impulsionando a bicicleta que ganhou velocidade. Durante uns bons metros avancei maravilhado, sentindo o ar cortante do inverno que acariciava a minha face gelando-a, mas isso apenas me dava mais prazer e gosto pela aventura.

A paisagem passava mais rápida, tornando-se por vezes lenta, permitindo-me observar as suas cores de uma outra perspectiva e com um deleite que apenas uma criança por vezes louca sabe explicar. Uma loucura tão doce, uma meninice traquina mas deliciosa!

Percorridos vários metros, aproximava-me já da escola, quando repentinamente os raios das rodas foram cedendo, tentando travar com as solas já gastas o que não surtiu efeito, perdendo o controlo da bicicleta, acabando por embater num poste de cimento, ferindo-me ligeiramente.

Apesar do susto e de alguns hematomas contraídos, tive sorte pois cai num terreno contíguo lavrado e macio, o que me evitou mazelas de maior. Mas o que na verdade me feriu imenso foi ver a minha bicicleta “nova” completamente danificada e agora sem poder ser utilizada – como amei aquele minha bicicleta despida de pneus.

Foram bons aqueles momentos que antecederam a minha queda, foi bom ser menino, apesar dos joelhos esfolados e da reprimenda que se seguiu da minha mãe, que me alertou para o perigo da minha brincadeira.

Tinha razão é certo, mas foi tão bom aquele instante em que participei na Volta a Portugal em bicicleta, ainda que apenas por alguns momentos.

Pequeno lapso temporal em que ganhei uma etapa ao Joaquim Agostinho.
Soube bem ser criança e rever esses momentos vividos numa aldeia que amo e que estará sempre na minha memória e no meu coração.
      


(Fotos antigas – Memórias da meninice)

Amo as minhas raízes, respeito as memórias do passado e idolatro a minha terra … 

Assim amassem a sua terra e as suas gentes aqueles que nela habitam e a espezinham!

Feliz Natal!


João Salvador – 21/12/2013


domingo, 24 de novembro de 2013

Luto de uma nação



Aos dois profissionais recentemente falecidos da GNR que descansem em paz. Ás famílias as minhas condolências.
Infelizmente hoje perdeu a vida um jovem com apenas 4 anos de serviço, num acto tresloucado de um indivíduo que feriu ainda outros militares, civis e matou um cão-polícia, ferindo outro.
Continua o desprezo por parte da classe dirigente e chefias pelo trabalho destes homens e mulheres que apesar das adversidades; atropelos; descontentamento; falta de meios e outras tantas situações continuam a zelar pela segurança da população com risco da própria vida.
Ainda acham que são funcionários públicos normais? Sim são apenas para os cortes e para trabalhar horas a fio sem horas extraordinárias pagas; para satisfazerem números das chefias; para trabalharem noites e dias, feriados e fins-de-semana. Não o são para as quarenta horas e para terem um horário de referência; para ganharem horas extraordinárias como os restantes funcionários públicos; não o são em termos de condições de trabalho que lhes são negadas e que afectam directamente a vertente operacional.
Uma coisa é certa tudo tem o seu limite e seguramente ou a insensibilidade dos governantes para abrirem os olhos cessa ou a paciência pode acabar no seio do povo luso e naqueles que tem em si a defesa da constituição, das leis da república que juraram defender.
Sim os militares juraram defender a constituição que tantas vezes é violada pelos governos, que se acham cheios de moral apenas porque os polícias derrubaram uma barreira psicológica (o que em outras manifestações já havia ocorrido - não se tendo recorrido à força), mas manifestaram-se de forma ordeira.
Eles (políticos e outras elites económico-financeiras) alimentam hoje um hospedeiro cada vez mais gordo, retirando o alimento ao povo "que trabalha e geme até cair", mas tudo tem os seus limites.
Exige-se respeito pelo povo e JUSTIÇA, a qual falha em punir os responsáveis por desvios colossais de milhões de euros que poderia pagar a dívida, mas essa justiça está castrada a interesses político-económicos. Os poucos que ousaram enfrentar os interesses instalados viram as suas carreiras comprometidas e até congeladas, logo pergunto como ser honesto num país onde os pilares da democracia estão assentes na corrupção?
Cortes até os aceito desde que TODOS se sacrifiquem e não vivam num regabofe, alimentando os bolsos à custa da miséria de um pai que não tem emprego e não tem dinheiro para alimentar os filhos.


Aos políticos (não todos – existirão algumas pessoas de bem) o meu total desprezo e nojo, pois trata-se de uma raça de carraças que se entranham e sugam o sangue de quem nada fez para ter a crise à porta e agora paga por ela, para apagar os buracos deixados por decisões danosas para o país. 
Só apetece dizer educadamente PUTA QUE OS PARIU, sem ofensa para as suas mães. A indignação e o descontentamento na sociedade civil e naqueles que controlam a violência (Forças Armadas e Forças de Segurança) poderão dar lugar à REVOLTA, cujos únicos culpados estão identificados!

Crónica de Arménio Santero - 24/11/2013

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Carrazedo de Montenegro, Capital da Castanha-CASTMONTE 2013

CARRAZEDO DE MONTENEGRO, situa-se em Trás-os -Montes no distrito de Vila Real, concelho de Valpaços.


Benificia de estar equidistante de Murça, Vila Pouca de Aguiar e Chaves.
Em Carrazedo de Montenegro existe um dos maiores centros de exportação de castanha do país, por essa razão esta linda vila é denominada por CAPITAL DA CASTANHA.

Anualmente realiza-se uma feira dedicada a este famoso e importante fruto, CASTMONTE,que traz a esta vila no mês de Novembro milhares de pessoas, e que conta com mostras de artesanato, gastronomia, música tradicional e animação de rua.
Também têm oportunidade de provar o maior bolo de castanha do mundo.


Não se esqueça de visitar nos dias 8, 9 e 10 de Novembro a XVII FEIRA DA CASTANHA
CASTMONTE 2013 - CARRAZEDO DE MONTENEGRO.





Este é um postal da linda vila de Carrazedo de Montegro.


Visite a página: 

domingo, 29 de setembro de 2013

As Vindimas e a amizade

Mais uma vez este ano tive o prazer de ajudar a fazer a vindima de um grande amigo que tem várias vinhas na região demarcada do Douro, as quais cultiva anualmente, expectante por uma boa produção.

As vinhas situam-se numa região com relevo acentuado e agreste, mas com paisagens muito belas, ornadas pelas vinhas talhadas pela mão do homem (hoje ajudado pelas máquinas - tractores e alfaias agrícolas), de onde é colhido o tão desejado vinho do Douro, um licor apreciado mundialmente. 
As vinhas vaidosas surgem à vista vestidas com as suas vestes de uvas brancas e tintas, sulcando os montes do conselho de Carrazeda de Ansiães, serpenteando-os dando-lhes vida, embelezando tudo o que a vista alcança, enriquecendo uma região dominada pelo esquecimento.

Começou o dia de madrugada, dia sombrio e algo chuvoso mas nem assim desmotivante para o grupo de amigos que se juntou para formar a "camarada" de vindimadores. 

A tarefa não seria iniciada sem antes tomarmos um belo de um café no "púcaro" e de comer uma bola de carne caseira feita pela "patroa" e grande amiga, com umas mãos extraordinárias para a cozinha e para as lides da terra. Pessoa formada que adoptou a sua terra natal para passar algum do seu tempo em contacto com a terra e com os ares puros do norte. 

Após sossegarmos o estômago, em amena cavaqueira deslocamos-mos para a vinha no tractor e no jipe, onde de seguida iniciamos as tarefas, cortando as uvas cujas castas são indicadas pela casa do Douro para aquela região. 
As vinhas estavam bastante bem tratadas e ordenadas permitindo um trabalho aligeirado, apesar de ser necessário curvar as costas, o que após um dia de trabalho se ressentem do esforço. 

Todas as vinhas que nesse dia foram vindimadas pelo grupo de amigos, estavam bem "compostas", produzindo ligeiramente mais que no ano transacto, apesar de a maturação ter estado ligeiramente mais atrasada neste ano. 

De facto, invejo a persistência e o amor do meu amigo que se dedica de corpo e alma à terra, apesar de o fazer apenas quando a vida profissional o permite, nomeadamente férias e fins-de-semana. O gosto que emanam dos seus olhos e as palavras que fluem da sua boca, fazem transparecer todo o amor que o ligam aquela terra e que contagiam quem o rodeia. 

Mas deixando de divagar e voltando a vindima, após o corte e os baldes cheios estes eram despejados nos "balseiros" que depois eram carregados no atrelado do tractor e transportados para o lagar, onde a uva era separada do "mosto" e despejado directamente para o lagar através de um tubo que o ligava à mastragadora. 

Durante a vindima ainda fomos contemplados com uma chuva insistente que lavou os nossos corpos, encharcando-os, mas nem assim desanimou tão ávidos trabalhadores que continuaram animadamente a trabalhar e a conversar, até conclusão das tarefas, abdicando da hora normal de almoço, para terminar rapidamente a vindima, evitando assim novo presente do São Pedro que nesse dia estava deliciado com as gotas que nos banhavam o rosto, premiando-nos com um céu carregado de nuvens escuras e prontas a deixar descarregar todas as mágoas do mundo sobre as nossas cabeças. 
Concluída a vindima e após as uvas estarem desfeitas e depositadas no lagar era tempo de almoçar uma bela feijoada com a qual todos nos refastelamos e à qual nada faltava. 

Assim vale a pena trabalhar, pois o trabalho torna-se menos custoso, cultivando-se a amizade e valorizando o esforço de todos aqueles que diariamente labutam incansavelmente nas terras de seus pais, que em muitos casos a terra já tragou! 

Valorizam-se as pessoas, desfruta-se da natureza, do ar puro que nos impregna os pulmões, mas acima de tudo alimenta-nos a alma e a mente, a qual se sente tranquilizada com toda aquela paz e saciada com o convívio e os sorrisos dos amigos!

Todos sem excepção o fizeram por prazer e ao mesmo tempo para ajudar um amigo que como muitos que se dedicam ao trabalho campesino, sentem enormes dificuldades no recrutamento de mão-de-obra, o que não se entende com a actual crise que grassa no nosso país e por esse mundo fora!
Pois na parte que me toca e a todos os que comigo privaram nesse dia, foi um dia diferente, agradável e feliz, ainda que cansativo, nada a que não estivesse habituado na minha adolescência. 


João Salvador – 29/09/2013

Fotos:

Tarefa quase concluída – momento para descomprimir

Em plena vindima 

As tesouras e o balde não podem faltar 

Após a separação do mosto resta lavar a mastragadora


Definições/regionalismos:
Mosto da Uva - O esmagamento da uva produz uma mistura de suco, cascas e bagas que será chamado de mosto (http://pt.wikipedia.org/wiki/Vinho)
 
Púcaro - pequeno vaso com asa
 
Mastragadora – Máquina usada para desfazer a uva, separar o mosto e encaminhar o sumo da uva para o lagar através de um tubo.
 
Camarada – Grupo de trabalhadores
 
Balseiro – Recipiente plástico usado para acondicionar as uvas



quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Desabafo sobre o desrespeito às gentes transmontanas - I Love it



Infelizmente a busca de audiências a qualquer preço, esbarra muitas vezes na maledicência e na destruição da identidade de uma região tão ilustre como o Reino Maravilhoso, paraíso idílico narrado pelo nosso ilustríssimo transmontano Adolfo Correia da Rocha (Miguel Torga) e que eu tanto amo e sobre o qual também escrevo. 


A TVI é uma estação que tem vindo a perder qualidade, sendo que neste caso em apreço denegriu a imagem dos transmontanos, escamoteando das suas gentes e da sua cultura. 

É sabido que muitos cargos dirigentes e não só em Portugal são detidos por ilustres transmontanos. 

Trata-se de um povo simples e humilde é certo, mas também solidário, fraterno, com uma aculturação reconhecida, crítico, conhecedor das realidades, a quem todos os portugueses devem respeitar, pela longa história que ajudou a alicerçar e a fundar a nação lusa. 

Graças à luta de transmontanos e outros ilustres portugueses que derramaram o sangue nos prados verdes das terras que agora alimentam as gentes que vivem nas cidades e que se lambuzam de má língua, que estes podem expressar-se livremente e dizer estas "asneiradas". 

Mas lembrem-se a liberdade de expressão termina quando esbarra com a liberdade de outros, seja através de actos ou palavras.

Respeitem os transmontanos, pois são das pessoas mais educadas que existem neste país. E não confundam pouca formação literária com "parolice" ou falta de educação. 

Como já aqui se disse Trás-os-montes está hoje dotada de uma boa rede de ensino, boas vias de comunicação e para quem não sabe ... acesso à Internet.

Por isso à TVI que tem agora este formato de novela denominado "I Love It" que veio substituir os Morangos com Açúcar (outra série que apenas contribui para a destruição dos valores da família e da verdadeira e pura amizade), digo: Tenham RESPEITO!

Quanto a mim a TVI passará a ser um canal secundário, como já o vinha sendo mercê da fraca qualidade de conteúdos com o qual nos presenteia diariamente. 
Como se costuma dizer, "quem não se sente não é filho de boa gente".
Bom dia a todos os transmontanos e desculpem o desabafo!

João Salvador - 12/09/2013

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Reino Maravilhoso versus Reino queimado


Amigo Torga, hoje choro teu reino …

Entrei num reino outrora de sonho, hoje terra de pesadelo, de onde fogem assustadas suas gentes.

Em tempos era um reino coberto por mantos verdes, polvilhado de árvores, banhado por flores, exalando odores agradáveis onde viviam harmoniosamente os transmontanos, venerando a mãe terra.

Agora questiono-me! Entrando por terras do Marão, olhando as serras e montes, choro amargurado a morte das florestas compostas por carvalhos; pinheiros, tojos e giestas, plantas e árvores que vestiam não maravilhosa serra. 

Meus olhos, toldam-se com a visão da terra queimada, despida agora da sua magnificência, pela incúria da mão criminosa daqueles que desprezam teu reino. Esses metacarpos são aqueles que matam tudo em que ti habita, sugam a tua beleza …

Verto lágrimas de tristeza amargurada, vendo o fenecimento do meu berço e de tantos outros, terra palco de histórias ancestrais de nossos antepassados, de batalhas e de sangue! Histórias agora abandonadas aos caprichos da ganância dos homens. Terra votada à indiferença dos filhos que tão sublimemente amamentou e amou. Filhos que agora a deixaram de amar!

Os cenários naturais, as suas colinas, as suas escarpas, os seus montes e vales, morrem lentamente. Os jovens buscam outros reinos mais ricos, ainda que sem imponência ou história. Os anciãos, pessoas cujas rugas cavadas nas suas faces pelos rigores da vida, jazem agora perdidos nas memórias de outros tempos, refugiados na sua sabedoria, mas assustados com um destino que temem cruel, perante dantescos cenários de morte e destruição.

Porque razão não devo chorar amigo Torga se teu reino que é também o meu está a ser destruído?

Não saberei expressar o que sinto tão sabiamente como tu, faço-o com palavras emocionadas de um filho da terra, visto que temo a escuridão que cobre agora um reino outrora verde e cheio de vida. Minha alma cobre-se angustiada pela sobra da morte a que estão votadas nossas belezas naturais!

Sinto-me impotente, pelo que verto nestas folhas sem vida, desprovidas de sentimento, minhas lágrimas sentidas que transformo em mágoa.

Impotente é como se sente um animal enjaulado, perante um inferno tão vasto e incontrolável, pois assim me sinto eu!

Vai definhando teu reino. Com ele perecem as almas errantes dos antepassados, que labutaram tão vasto território. Vagueiam agora perdidos pelas brumas de tempos idos. Evocam-se suas memórias buscando-se salvação e força para a ressurreição do reino maravilhoso!

Lembras-te Torga das tuas memórias de rapaz (memórias para mim desconhecidas), quando corrias pelas fragas, esfolando os joelhos, sorvendo a dor com prazer? 

Lembras-te da simplicidade das nossas gentes, dos sorrisos com que se contemplavam o nascer do sol, da luz que banhava as faces suadas pelo trabalho? 

Lembras-te dos seres que enchiam de vida, montes e vales, das flores que vestiam as serras na primavera e do seu cheiro que apaziguava nossas almas? 

Pois meu amigo (permite que te trate assim ò poeta transmontano) esses quadros naturais, bucólicos, campesinos, foram agora pincelados a negro, resistindo à força da mãe natureza que heroicamente luta contra as agressões dos homens. Luta agora fragilizada, pela falta do amor-dos-homens na terra que os viu parir! 

Homem … ser por vezes irracional, asno, destrói a beleza do reino verde, coberto agora pelas trevas, cujas marcas o tempo demorará a sarar! Pobre natureza, que luta gloriosamente contra os gladiadores imorais que se munem de isqueiros para a agredir. Com ela fenecem almas e vidas de heróis anónimos que lutam incansavelmente, procurando anemizar-lhe as feridas. 

Tombaram vários heróis, que deram suas vidas e seu sangue para conter a ira das labaredas que lambem diabolicamente teus montes.

Choro envergonhado a irracionalidade de alguns humanos …

O cheiro a queimado invade as narinas, conspurca o olfacto, poluiu o ar.

A visão turva-se perante o sentimento de perda por cada hectar queimado e por cada vida perdida.

Teu reino jaz agora parcialmente morto em cinza, queimado pelos fogos e pelas gentes que não o cuidam!

Somamos o desmazelo e a irresponsabilidade dos des (governantes) que votaram à desertificação e ao abandono o teu prodigioso berço. 

Garotos mimados que brincam ao faz de conta, enquanto se adensam as labaredas que se aproximam agora da destruição alargada das terras para lá do Marão.

Não me peças para não chorar amigo Torga, visses tu de teu túmulo tão grotesco cenário e também tu chorarias as mágoas do teu reino queimado, despedaçado pelas feridas profundas provocadas pelo fogo.

Deixa-me então chorar teu reino que idolatro! 

Sim! Deixa-me chorar teu reino que é também o meu!



João Salvador – 2/09/2013



quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Aldeias do concelho de Valpaços nos meados do século XVIII por freguesias – SANFINS


MEMÓRIAS PAROQUIAIS, 1758, Tomo28, PEDRO FINS (São), Chaves
[Cota actual: Memórias paroquiais, vol. 28, n.º 101a, p. 649 a 650]

São Pedro fins

Respondendo ao despacho do Muito Reverendo Senhor Doutor Vigário Geral da Comarca de Chaves:
Eu, o Padre Manuel Alves, faço certo e como esta freguesia de São Pedro Fins é da Província de Trás-os-Montes, Arcebispado de Braga, Termo e Comarca de Chaves. É anexa de São Nicolau de Carrazedo de Montenegro e apresentado pelo mesmo Reitor de Montenegro, pertencente ao ordinário de Braga.
Tem sessenta e seis moradores, pessoas de Sacramento cento e oitenta e sete, e menores quarenta e nove que, todos juntos fazem a conta de duzentas e trinta e cinco pessoas [sic].
Está situada em mais fragas que terra movediça, entre vinhas e olivais e algumas terras de fruto e das povoações não se descobre senão Argeriz, que dista meia légua desta, Água Revés, que dista uma légua e Vassal, que dista menos de meia légua, e nada mais.
O termo é seu e não tem mais lugares.
A Paróquia está no mesmo lugar metida. O orago é São Pedro ad vincula. Tem três altares, um do orago, e nele está a imagem do dito São Pedro, e dois colaterais, um da imagem de Nossa Senhora do Rosário e o outro da imagem de Cristo. É só de uma nave.
O pároco é vigário ad Nutum e o apresenta o Reverendo Reitor de São Nicolau de Carrazedo, como dito fica. A Renda que tem serão, pouco mais ou menos, sessenta mil réis.
Os moradores, os frutos que recolhem são os seguintes: centeio vinho, trigo, azeite, castanhas e legumes de feijão grande e miúdo; e, com mais abundância, centeio e vinho.
Não tem juiz ordinário, está sujeita ao juiz e fora da Comarca e Vila de Chaves, Província de Trás-os-Montes.
O correio é o de Chaves e dista desta freguesia três léguas e desta a Vila de Chaves até onde chega que é Vila Real são dez léguas, pouco mais ou menos. Dista deste lugar a cidade capital de Braga dezoito léguas e a cidade de Lisboa oitenta léguas, pouco mais ou menos.

Em Serra não há nesta freguesia que dizer.

O rio chama-se rio de São Fins, principia o seu nascimento aonde chamam a Venda da Serra e finda no rio de Miradezes, corre de Norte para o Sul e tem três léguas de comprido donde nasce até donde finda. Está entre o Nascente e o Poente e passa por perto de três lugares, um chamado Alfonge, outro Parada e por perto desta freguesia de São Pedro Fins e por Rio Torto. Tem três Rodas de Moinhos e tem um sumidouro aonde passa o rio por baixo de um fragão. Quando o rio vai grande não tem ponte alguma, nem árvores algumas senão fragas. Os peixes que tem o dito rio são bogas e escalos.

E não se continha mais nesta freguesia nos ditos artigos, assim em uns como nos outros, e por ser verdade o passei na mesma que assino com os Reverendos vigários de Argeriz e Vassal, hoje, onze de Março de mil setecentos e cinquenta e oito anos.

São Pedro Fins, era et supra o que juro in verbo Sacerdotis.

O Vigário de São Pedro Fins, Comarca de Chaves, Padre Manuel Alves

O pároco de São Mamede de Argeriz, vigário António Martins
O Vigário de Santa Maria de Vassal, Dâmaso Osório de Queiroga


Nota: Só muito recentemente consegui encontrar o documento das "Memórias Paroquiais de 1758" relativo a Sanfins (de Valpaços) sob a referência de “Pedro Fins (São), Chaves” e de que divulgo aqui a respectiva transcrição. Convém que se diga que na árdua e incessante procura deste documento, deparei com muitos outros referentes a topónimos idênticos tais como Sanfins da Castanheira, Sanfins do Douro, bem como outros vários “São Pedro Fins”, que analisei um por um e que, pelo seu teor não me restaram dúvidas que seriam de descartar. A mesma sorte não tiveram, como pude constatar, os investigadores desta temática coordenados por José Viriato Capela, e ele próprio, que tomaram“Sanfins da Castanheira” como a Sanfins actualmente de Valpaços, o que, inevitavelmente, acabou por se traduzir numa involuntária distorção dos dados e factos a relativamente à freguesia “São Pedro Fins”, curato da Reitoria de Carrazedo de Montenegro no mesmo termo de Chaves que é o que hoje constitui a freguesia de Sanfins do concelho de Valpaços. Cumpre, portanto, advertir que a consulta do livro e publicações posteriores daquele autor intitulados ambos “As Freguesias do Distrito de Vila Real nas Memórias Paroquiais de 1758, Memórias, História e Património” deve ser feita, para este e para outros casos em que entretanto também encontrei alguns equívocos, com necessária cautela e ponderação.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Festas Populares e jogos tradicionais

Começam as festas populares nas aldeias transmontanas, com o lançamento do fogo-de-artifício a anunciar as festividades, aos residentes e filhos da terra que nestas alturas do ano visitam as aldeias, após 11 meses de luta diária, dia aguardado com ansiedade.
As festas são sempre acompanhadas pelas reverências religiosas aos santos padroeiros ou a outros a quem o povo presta culto.
No caso de Sanfins a capela da Santa Rita de Cássia é local de peregrinação dos crentes, que ali rezam fervorosamente pedindo por dias melhores, pelas vidas próprias, dos seus e de todos aqueles que necessitam de uma graça divina.
Por norma no que concerne ao culto religioso faz-se inicialmente e à noite a tradicional e carismática procissão das velas, comum a praticamente todas as festas do norte e doutros locais do país. Essa cerimónia é acompanhada de oração e de muita luz que emana dos corações dos crentes, alimentadas pelas velas que libertam chamas de esperança!
Cedo o “fogueteiro” (na minha aldeia usualmente tal tarefa era levada a cabo pelo Ti Augusto – pessoa experiente nessa matéria) trata de fazer os lançamentos dos foguetes, anunciando o acordar das festividades para o dia que agora rompe. Antigamente eram usados foguetes de cana, os quais caiam nos terrenos limítrofes e ocasionalmente em cima dos telhados, felizmente sem provocar grandes problemas ou danos, ainda que ocasionalmente surgisse um malogrado pequeno foco de incêndio prontamente extinto pelos populares.
Logo se juntavam alguns residentes no arraial ou nos cafés da aldeia, onde trocavam confidências e experiências de vida. Desde os migrantes no litoral, aos emigrantes em terras europeias, bem como a outros destinos e ainda aos que pela terra permanecem, todos dialogavam animadoramente e ainda o fazem felizmente. Esses momentos são sempre especiais, pois é através desse intercâmbio que as pessoas se actualizam quanto às vivências de amigos, conhecidos e familiares com os quais não privam durante o ano. As notícias das estrelas falecidas que se apagaram para o mundo são sempre as que provocam mais mágoa, mas logo se entende visto tratar-se do malogrado ciclo da vida a que nenhum ser vivo escapa.
As bandas de música, rasgam as manhãs adormecidas, acalorando as pessoas que se vão aproximando, acompanhando a marcha ritmada dos músicos, que tocam afinados os vários instrumentos, cuja cadência e ritmo é orientado pelo maestro. Percorrem as ruas das aldeias, levando sons a todos os recantos, roubando sorrisos aos mais novos e aos mais idosos, que se maravilham com tal visão. São os elementos da banda depois das primeiras actuações convidados a partilhar a mesa com as gentes da aldeia, onde convivem alegremente. As crianças preocupam-se mais em examinar a flauta, o trompete ou outros instrumentos musicais utilizados pelos músicos, do que com a comida na mesa. Estes pacientemente explicam como de um instrumento sai música, deixando por vezes as crianças tentar tocar, o que muitas vezes resulta em sons desagradáveis de se escutar, mas suportados pela alegria contagiante das crianças.
De tarde a banda acompanha a procissão religiosa desde a igreja, dando uma volta à aldeia parando junto à capela. Os andores decorados com flores de várias cores, forrados pelos mais belos e finos tecidos, onde descansam os santos, enchem a vista das gentes, perfumando o ar.
Cumpridas as orações, segue a procissão para a igreja, local onde finalizam as festividades religiosas propriamente ditas.
Seguem-se agora as diversões pagãs, os comes e bebes, a distracção a música e os jogos tradicionais.
À noite o conjunto contratado pela comissão de festas inicia a sua actuação, num palco montado para o efeito. Música popular irrompe pela noite, acordando todos os seres, libertando sons ritmados que fazem os corpos bailar aos sons da música. O arraial é muito procurado pelos foliões que prontamente se agarram ao seu par, dando uns pés de dança ao som de músicas do Quim Barreiros ou de outros, razoavelmente interpretados pelo conjunto.
Outros dedicam-se a beber umas cervejas, a comer uns petiscos, tremoços ou amendoins e a conversar com amigos de longa data ou de ocasião, trazendo-lhes alegrias e sorrisos também proporcionadas pelos vapores etílicos com que o álcool os premeia, mas nesses dia que importa isso?
Os remanescentes, normalmente os mais idosos apreciam os mais jovens a rodopiar alegremente no centro do arraial, sonhando com os tempos em que os seus corpos mais jovens também o permitiam, recordando-o com melancolia e saudades!
Alguns anciãos, apesar de algumas maleitas, ainda dão orgulhosamente o seu pé de dança, mostrando aos mais novos como faziam antigamente.


Jogos Tradicionais

É hábito nas festas populares a realização de jogos cujas tradições se perdem no tempo e nas lembranças dos mais idosos.
Desde a corrida; à corrida de cântaros; a correr a dois com uma corda amarrada a uma perna; à corrida de burros até ao pau-de-sebo, tudo servia para animar as festividades.
Aqui irei apenas referir um deles …

O Pau-de-sebo


(Festas de Sanfins 1994)

Um dos jogos mais difíceis era certamente o de subir ao “pau-de-sebo”, pois requeria muita perícia e técnica na colocação dos pés.
O mastro liso de vários metros de altura, era untado com gordura para dificultar a subida, tornando a conquista do tão requisitado prémio (normalmente era dinheiro e um presunto) uma tarefa hercúlea e que apenas se conseguia através do trabalho de equipa.
Inicialmente as equipas, começavam por tentar individualmente a subida ao mastro, mas apenas conseguiam limpar a gordura do mesmo.
Como a tarefa se complicava, passava-se ao trabalho de equipa em que se formava uma massa humana em forma de torre, apoiando-se uns em cima dos outros. O primeiro era o mais sacrificado pois tinha que suportar o peso dos restantes, subindo cada um dos elementos da equipa pelos corpos dos restantes, que iam subindo uns para cima dos outros, apoiando os pés nos ombros, até um deles alcançar o topo do mastro, onde tocava na bandeira, conquistando o tão cobiçado prémio.


(Conquista do pau-de-sebo)

Quando o conseguiam era um momento de imensa alegria, mais pela diversão do que propriamente pelo prémio.
Digo-o porque tive o prazer de participar numa dessas provas durante as festividades, conforme o ilustram as fotos, onde senti adrenalina e o prazer do convívio mas também de ver premiado o esforço a que expusemos o corpo para ganhar o presunto e o dinheiro.
Para além da minha pessoa, o “Zé”, o “Luís” e o “Américo” foram os restantes membros da equipa que permitiu a conquista do mastro ou pau-de-sebo como é designado, o que diga-se não foi tarefa nada fácil, mas compensou pelo prazer que tivemos depois em deleitar-nos com o presunto que diga-se era caseiro e de qualidade.
As festividades nas aldeias tem vindo a perder-se por inúmeras razões, desde a desertificação, à falta de dinheiro e de voluntariado para fazerem parte das comissões de festas, o que naturalmente apaga aos poucos a nossa identidade cultural e as nossas tradições.
Felizmente algumas ainda persistem e espero que com o esforço de muita gente assim permaneçam por inúmeros anos …

João Salvador – 14/08/2013



segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Homenagem a um ilustre Transmontano - Miguel Torga



Biografia de um ilustre transmontano

Miguel Torgapseudónimo de Adolfo Correia da Rocha, (São Martinho de Anta12 de Agosto de 1907 — Coimbra17 de Janeiro de 1995) foi um dos mais influentes poetas e escritores portugueses do século XX. Destacou-se como poeta, contista e memorialista, mas escreveu também romances, peças de teatro e ensaios.

Nasceu na localidade de São Martinho de Anta, em 12 de Agosto de 1907. Oriundo de uma família humilde de Sabrosa, era filho de Francisco Correia Rocha e Maria da Conceição Barros. Em 1917, aos dez anos, foi para uma casa apalaçada do Porto, habitada por parentes. Fardado de branco, servia de porteiro, moço de recados, regava o jardim, limpava o pó, polia os metais da escadaria nobre e atendia campainhas. Foi despedido um ano depois, devido à constante insubmissão. Em 1918 foi mandado para o seminário de Lamego, onde viveu um dos anos cruciais da sua vida. Estudou PortuguêsGeografia e História, aprendeu latim e ganhou familiaridade com os textos sagrados. Pouco depois comunicou ao pai que não seria padre.

Emigrou para o Brasil em 1920 , ainda com doze anos, para trabalhar na fazenda do tio, proprietário de uma fazenda de café. Ao fim de quatro anos, o tio apercebe-se da sua inteligência e patrocina-lhe os estudos liceais, em Leopoldina. Distingue-se como um aluno dotado. Em 1925, convicto de que ele viria a ser doutor em Coimbra, o tio propôs-se pagar-lhe os estudos como recompensa dos cinco anos de serviço, o que o levou a regressar a Portugal e concluir os estudos liceais.

Em 1928, entra para a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e publica o seu primeiro livro de poemas, Ansiedade. Em 1929, com vinte e dois anos, deu início à colaboração na revista Presença, folha de arte e crítica, com o poema Altitudes. A revista, fundada em 1927 pelo grupo literário avançado de José RégioGaspar Simões e Branquinho da Fonseca era bandeira literária do grupo modernista e bandeira libertária da revolução modernista. Em 1930 rompe definitivamente com a revista Presença, junto com Edmundo Bettencourt e Branquinho da Fonseca , por «razões de discordância estética e razões de liberdade humana», assumindo uma posição independente. Nesse ano, publica o livro Rampa, lançando, no ano seguinte, Tributo e Pão Ázimo, e, em 1932, Abismo. Em colaboração com Branquinho da Fonseca, funda a revista Sinal, de efémera duração, e, em 1936, lança, junto com Albano Nogueira, o periódico Manifesto.2 Nesse ano, publica O Outro Livro de Job.
A obra de Torga traduz sua rebeldia contra as injustiças e seu inconformismo diante dos abusos de poder. Reflete sua origem aldeã, a experiência médica em contato com a gente pobre e ainda os cinco anos que passou no Brasil (dos 13 aos 18 anos de idade), período que deixou impresso em Traço de União (impressões de viagem, 1955) e em um personagem que lhe servia de alter-ego em A criação do mundo, obra de ficção em vários volumes, publicada entre 1937 e 1939. As críticas que fez aí ao franquismo resultaram em sua prisão (1940).1 Publica os livros A Terceira Voz em 1934, aonde pela primeira vez empregou o seu pseudónimo, Bichos em 1940, Contos da Montanha em 1941, Rua em 1942, O Sr. Ventura e Lamentação em 1943, Novos Contos da Montanha e Libertação em 1944, Vindima em 1945, Sinfonia em 1947, Nihil Sibi em 1948, Cântico do Homem em 1950, Pedras Lavradas em 1951, Poemas Ibéricos em 1952, e Orfeu Rebelde em 1958.
Crítico da praxe e das restantes tradições académicas, chama depreciativamente «farda» à capa e batina. Ama a cidade de Leiria, onde exerce a sua profissão de médico a partir de 1939 até 1942, onde escreve a maioria dos seus livros. Em 1933 concluiu a licenciatura em Medicina pela Universidade de Coimbra. Começou a exercer a profissão nas terras agrestes transmontanas, pano de fundo de grande parte da sua obra. Dividiu seu tempo entre a clínica de otorrinolaringologia e a literatura. Após a Revolução dos Cravos que derrubou o regime fascista em 1974, Torga surge na política para apoiar a candidatura de Ramalho Eanes à presidência da República (1979). Era, porém, avesso à agitação e à publicidade e manteve-se distante de movimentos políticos e literários.
Autor prolífico, publicou mais de cinquenta livros ao longo de seis décadas e foi várias vezes indicado para o Prêmio Nobel da Literatura.

Casou-se com Andrée Crabbé em 1940, uma estudante belga que, enquanto aluna de Estudos Portugueses, com Vitorino Nemésio em Bruxelas, viera a Portugal fazer um curso de verão na Universidade de Coimbra. O casal teve uma filha, Clara Rocha, nascida a 3 de Outubro de 1955, e divorciada de Vasco Graça Moura.
Torga, sofrendo de cancro, publicou o seu último trabalho em 1993, vindo a falecer em Janeiro de 1995. A sua campa rasa em São Martinho de Anta tem uma torga plantada a seu lado, em honra ao poeta.



Alguns poemas de Miguel Torga:

"No meu jardim " 

No meu jardim aberto ao sol da vida,
Faltavas tu, humana flor da infância
Que não tive...

E o que revive
Agora
À volta da candura
Do teu rosto!

O recuado Agosto
Em que nasci
Parece o recomeço
Doutro destino:

Este, de ser menino
Ao pé de ti...

MIGUEL TORGA, in DIÁRIO VIII (1959), in ANTOLOGIA POÉTICA (Coimbra, 4ª ed., 1994)

Miguel Torga in ANTOLOGIA POÉTICA (Coimbra, 4ª ed., 1994)





** Cântico de Amor **

Ama quem amas, como o vento
Ama as folhas de olmo
(Amor que lhes transmite movimento
E alegria.)
Asa que possa andar no firmamento
Só caminha no chão por cobardia.





Poema "Adeus"