domingo, 26 de agosto de 2012

Crónicas da vida e morte do João Moleiro - Ato de amor


VI – O último ato de amor



Fruto de mais um dia de labuta, os corpos cansados dos moleiros, estenderam-se para descansar no palheiro, onde haviam terminado de alimentar o burro e os animais domésticos (galinhas; patos e o porco).
Foi sem o saberem, o momento e o local onde se amaram pela última vez. Vigiados apenas pelo silêncio da noite, interrompidos pelo esvoaçar dos morcegos; pelo cacarejar das galinhas ou pelo zurrar do burro.
As estrelas brilhavam radiosas, do alto dos seus púlpitos com maior intensidade, aguardando o último suspiro do moleiro, guardando-lhe um berço naquela morada, dando-lhe oportunidade para um último suspiro de vida …
Ditaram palavras de amor eterno, sussurradas ao sabor da paixão que nutriam um pelo outro, na vida que partilharam até ali e nos frutos que desse amor desabrochou!
Como que o adivinhando, o moleiro sentiu um vazio gritando-lhe na alma, toldando-lhe os sentidos. Apesar de tudo sentiu uma paz que lhe anestesiava o espírito abraçado por um confortável sentimento de que havia cumprido o seu destino, nos anos que lhe pesavam agora nas pernas. Melancolicamente, mas com um sorriso que desenhou nos lábios o moleiro dirigiu-se à mulher:
- Olha mulher a vida não tem sido fácil. Temos trabalhado muito e tem-nos sido madrasta. A minha mãe não abdica dos cinco litros de azeite por ano, que tanta falta nos faz. Temo que se Deus me levar tenhas dificuldades em alimentar os nossos filhos.
- Olha homem não tenhas esse pensamento. Porque razão Deus haveria de te levar? És saudável e um homem de bem – Tentava acalmar-se assim a moleira, mas pressentia algo que lhe apertava o peito. Temia perder o seu homem e consequentemente temia pelo futuro e pelos filhos.
- Não sei que te diga. Pressinto o vazio, alguma coisa me mexe na alma!
- Não penses nisso.
- Mas promete-me que se um dia morrer primeiro que tu, vais lutar para conseguires criar os nossos filhos, nunca desistas! Estarei do outro lado a olhar por vós.
- Não sou mulher de desistir.
- Eu sei disso mulher!
- O que de melhor me deste nesta vida foi os nossos filhos, através de um amor puro e verdadeiro. Nunca pedi luxos, apenas ter uma côdea de pão para alimentar os filhos. Isso me basta homem de Deus!
- Sim … tens razão!

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