Fruto de mais um dia de labuta, os corpos
cansados dos moleiros, estenderam-se para descansar no palheiro, onde haviam
terminado de alimentar o burro e os animais domésticos (galinhas; patos e o
porco).
Foi sem o saberem, o momento e o local onde
se amaram pela última vez. Vigiados apenas pelo silêncio da noite, interrompidos
pelo esvoaçar dos morcegos; pelo cacarejar das galinhas ou pelo zurrar do
burro.
As estrelas brilhavam radiosas, do alto dos seus
púlpitos com maior intensidade, aguardando o último suspiro do moleiro,
guardando-lhe um berço naquela morada, dando-lhe oportunidade para um último
suspiro de vida …
Ditaram palavras de amor eterno, sussurradas
ao sabor da paixão que nutriam um pelo outro, na vida que partilharam até ali e
nos frutos que desse amor desabrochou!
Como que o adivinhando, o moleiro sentiu um
vazio gritando-lhe na alma, toldando-lhe os sentidos. Apesar de tudo sentiu uma
paz que lhe anestesiava o espírito abraçado por um confortável sentimento de
que havia cumprido o seu destino, nos anos que lhe pesavam agora nas pernas.
Melancolicamente, mas com um sorriso que desenhou nos lábios o moleiro dirigiu-se
à mulher:
- Olha mulher a vida não tem sido fácil.
Temos trabalhado muito e tem-nos sido madrasta. A minha mãe não abdica dos
cinco litros de azeite por ano, que tanta falta nos faz. Temo que se Deus me
levar tenhas dificuldades em alimentar os nossos filhos.
- Olha homem não tenhas esse pensamento.
Porque razão Deus haveria de te levar? És saudável e um homem de bem – Tentava acalmar-se
assim a moleira, mas pressentia algo que lhe apertava o peito. Temia perder o
seu homem e consequentemente temia pelo futuro e pelos filhos.
- Não sei que te diga. Pressinto o vazio,
alguma coisa me mexe na alma!
- Não penses nisso.
- Mas promete-me que se um dia morrer
primeiro que tu, vais lutar para conseguires criar os nossos filhos, nunca
desistas! Estarei do outro lado a olhar por vós.
- Não sou mulher de desistir.
- Eu sei disso mulher!
- O que de melhor me deste nesta vida foi os
nossos filhos, através de um amor puro e verdadeiro. Nunca pedi luxos, apenas
ter uma côdea de pão para alimentar os filhos. Isso me basta homem de Deus!
- Sim … tens razão!
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