Nas
memórias longínquas da minha infância (nos anos 70/80), procurei episódios
passados na escola primária e na minha aldeia de Sanfins.
Era
uma criança com 6 anos, franzina, vestindo os trapos requintados que a moda da
vida impunha. Apesar da tenra idade dedicava-me já à labuta nos campos,
ajudando a minha mãe a cultivar os terrenos agrícolas. Desde os produtos
hortícolas, ao cultivo da oliveira, até à vinha de onde extraiamos o vinho
morangueiro, era uma vida dura. Tinha ainda o moinho que estava a cair em
desuso, mercê do aparecimento das indústrias de moagem, acabando por
desaparecer, estrangulando os moleiros, fazendo-os procurar novas formas de
sustento para as suas famílias.
Mas
voltando às minhas memórias, entrei para a escola e a minha primeira professora
chamava-se Raquel. Na verdade não gostava muito dela, não me perguntem porque,
mas acho que o sentimento era recíproco. Na verdade da parte dela entendo-a,
pois eu era um diabinho que só estava bem a pregar partidas, juntamente com
outros colegas da escola.
Recorda-me uma vez ter colocado um lagarto na gaveta da professora juntamente com o Toni (o filho do ti Abel). Quando ela abriu a dita gaveta ia tendo um problema cardíaco, felizmente não passou de um susto. Claro que fomos logo castigados. Lembram-se da famosa régua? Pois fiquei com as mãos a arder e cheio de dores (diga-se que foram bem merecidas). Nem a nossa esperteza nos livrava às reguadas da professora.
Recorda-me uma vez ter colocado um lagarto na gaveta da professora juntamente com o Toni (o filho do ti Abel). Quando ela abriu a dita gaveta ia tendo um problema cardíaco, felizmente não passou de um susto. Claro que fomos logo castigados. Lembram-se da famosa régua? Pois fiquei com as mãos a arder e cheio de dores (diga-se que foram bem merecidas). Nem a nossa esperteza nos livrava às reguadas da professora.
De
facto era um miúdo afoito, cheio de energia, mas a precisar de boas maneiras, não
que fosse mal-educado, mas a própria vida que versava não o permitia. Mas à
data o carácter das pessoas e os restantes valores eram limados através da
dureza dos campos e da própria vida que nos esculpia e fazia homens.
(Escola Primária de Sanfins, Valpaços)
Era
revoltado, sim é verdade. Era órfão e sentia a falta do meu pai, apesar de o não
conhecer. Já me orgulhava em saber quando a minha vizinha (Ti Isolina) e outras
pessoas mais velhas diziam que o meu pai havia sido um homem honrado de bem e
trabalhador. No entanto, não tinha a quem chamar esse nome (e tanto que
precisava de um “PAI”), nem tinha quem me desse carinho, que as crianças tanto
carecem. No entanto não me queixo, pois sempre tinha uma côdea de pão e uma
sopa para comer, que era aliás essa a maior preocupação da mulher que me criou
e tão bem me educou.
A
minha mãe vivia perdida nos seus pensamentos, compenetrada nela própria não
conseguindo oscular o que lhe toldava a alma. Que tempo tinha para os filhos?
Precisava de trabalhar e alimentar os seus rebentos. A sua face denotava mágoa,
tristeza mas uma infindável vontade, uma mãe-pai que criou os filhos de uma
forma que orgulharia qualquer fidalgo de sangue-azul.
No
entanto nunca entendi os seus sentimentos, eram demasiado complexos para uma
criança de tão tenra idade.
Quanto
à falta de um pai, sentia-a imenso, pois o que mais dói era ver que os colegas
de escola tinham por vezes os pais a acarinha-los e eu tinha ciúmes deles. É
verdade! Mas numa criança de tão tenra idade, sem luxos, sem conforto, acho que
se percebe e é desculpável.
O
que mais gostava na altura na escola era a hora do recreio, não era nada
dedicado á escola. Qualquer coisa me distraia, o simples passar de um rebanho
era motivo para ir atrás dele e perder as aulas, pois a visão das ovelhas
fascinava-me. Adorava ver o rebanho nos pastos ruminando calmamente sem
preocupações, com o que os rodeava. Além disso tinham os seus anjos protetores
de quatro patas e os pastores, que os protegiam dos lobos que os circundavam.
Bom,
mercê do meu pouco interesse pela escola, tive o que merecia, acabei por
reprovar o primeiro ano. A minha mãe puniu-me severamente, pois dizia-me que apesar
de ser pobre e honrado, tinha obrigação moral para comigo próprio e para com
ela de melhorar a vida. Instava-me assim a dedicar-me à escola para um dia
deixar aquela vida de labuta. Não que me possa queixar muito, pois meus irmãos
tão novos fartavam-se de trabalhar.
Nos
anos seguintes apesar das imensas tropelias dediquei mais tempo à escola e
apesar de não serem famosas as minhas classificações, deu para ir passando de
ano, conciliando a escola com o trabalho nos campos. Uma das coisas que mais gostava
de fazer no verão era regar as batatas. Dava-me imenso prazer brincar com os
regos de água, como se fosse um deus com o poder de controlar as correntezas
dos rios. Observava atentamente os pequenos montículos formados e os insetos
que a água afugentava à sua frente.
Por vezes o meu tio Manuel deixava-me montar o cavalo que prendia junto à sua casa, passando a corda pela ferradura cravada na parede. Nessas alturas eu e o Normando passávamos momentos bem agradáveis imaginando-nos cowboys do oeste americano, montados no animal que cavalgava alegremente pelas padarias. Os pensamentos de uma criança não tinha qualquer limite ... os sonhos eram tão doces! Eram momentos de acalmia e de paz numa vida rotineira mas apesar de tudo, feliz!
Por vezes o meu tio Manuel deixava-me montar o cavalo que prendia junto à sua casa, passando a corda pela ferradura cravada na parede. Nessas alturas eu e o Normando passávamos momentos bem agradáveis imaginando-nos cowboys do oeste americano, montados no animal que cavalgava alegremente pelas padarias. Os pensamentos de uma criança não tinha qualquer limite ... os sonhos eram tão doces! Eram momentos de acalmia e de paz numa vida rotineira mas apesar de tudo, feliz!
(Eu e o Normando)
Sou
um apaixonado saudosista, do tempo das brincadeiras ao ar livre onde reinava o
peão; as corridas; as escondidas; as lutas no recreio e claro as nódoas negras.
Hoje qualquer ferimento por mais insignificante que seja corre-se logo a
perguntar “meu filho magoaste-te muito, queres ir ao hospital”. Na verdade
exagera-se imenso, colocando-se os filhos numa redoma de vidro, que nada os
ajuda a preparar para a luta que os espera na selva que é o nosso mundo,
ladeado de compadrios onde o mérito está a ser sorvido e a dar lugar ao
chico-espertismo.
Mas
passando essa fase, naquela altura o nosso limite era o céu. Corríamos alegremente
pelas encostas do rio, saltando de pedra em pedra, cantando, gritando,
extravasando os sentimentos. Usávamos as pedras para brincar aos cowboys usando
paus que moldávamos simulando tratar-se de pistolas (talvez tenha vindo daí a
vontade de ingressar nas Forças Armadas).
Depois
de esgotada tanta energia, passávamos pelos campos onde comíamos umas uvas;
frutas ou que estivesse à mão. Claro que os nossos pais ou os lavradores da
aldeia quando nos viam a comer alguma fruta, ralhavam connosco de uma forma benevolente.
Para
terminar em beleza, no verão tomávamos um banho no rio, aproveitando para
tentar apanhar uns peixes ou descobrir os ninhos dos pássaros que por ali esvoaçavam alegremente. Na verdade nessa
matéria não era lá muito bom!
A
vida era contagiante quando brincava com os amigos da aldeia (O Toni; Óscar;
Miguel; Paulo Jorge; Jorge o “Gordo”; Tina; Ilda; Alzenda; Lavínia; Anabela;
Jaime e tantos outros da minha geração), os sorrisos eram puros e verdadeiros.
Era uma inocência pura não corrompida pela maldade dos homens, onde a convivência;
a partilha a amizade pura sem interesse, era norma.
Mato
agora as saudades desses tempos, através da escrita ou quando me desloco à
aldeia, onde revivo memórias, por vezes com lágrimas de alegria que me acariciam
a face e me purgam a alma!
João
Salvador – 31/07/2012